segunda-feira, 30 de abril de 2012

A IMPORTÂNCIA DA ESPIRITUALIDADE PARA A SAÚDE


Via de regra todos os operadores de saúde, médicos, médicas e enfermeiros e enfermeiras, foram moldados pelo paradigma científico da modernidade  que operou um uma separação clara entre corpo e mente, entre ser humano e natureza. Criou as muitas especialidades que tantos benefícios trouxeram para o diagnóstico das enfermidades e  também para as formas de cura.
Reconhecido este mérito,  não se pode esquecer que se perdeu a visão de totalidade: o ser humano inserido num todo maior e a doença como uma fratura nesta totalidade e a cura como sua reconstrução.
Há uma instância em nós, que responde pelo cultivo desta totalidade, que nos alimenta o sentimento de pertença e que zela pelo  eixo estruturador de nossa vida: é a dimensão do espírito. De espírito vem espiritualidade. Espiritualidade é o cultivo daquilo que é próprio do espírito que é sua capacidade de projetar visões unificadoras, de relacionar tudo com tudo, de ligar e re-ligar todas as coisas entre si e com a Fonte Originária de todo ser.
Se espírito é relação e vida, seu oposto não é matéria e corpo mas a morte como ausência de relação. Nesta acepção, espiritualidade é toda atitude e atividade que favorece a  expansão da vida, a relação consciente, a comunhão aberta, a subjetividade profunda e a transcendência como modo de ser, sempre disposto a novas experiências e a  novos conhecimentos.
Neurobiólogos e estudiosos do cérebro identificaram a base biológica da espiritualidade. Ela se situa no lobo frontal do cérebro. Verificaram empiricamente que sempre que se captam os contextos mais globais ou ocorre uma experiência significativa de totalidade ou também quando que se abordam de forma existencial (não como objeto de estudo) realidades últimas, carregadas de sentido e que produzem experiências de veneração, devoção e respeito, se verifica uma alta  de vibração em hertz dos neurônios. Chamaram a este fenômeno de “ponto Deus” no cérebro ou da emergência da “mente mística”. Trata-se de uma espécie de órgão interior pelo qual se capta a presença do Inefável dentro da realidade.
Este dado constitui uma vantagem evolutiva do ser humano que, enquanto homem-espírito, percebe a Última Realidade penetrando em todas as coisas. Dá-se conta de que  pode, surpreendentemente, entabular um diálogo e buscar uma comunhão íntima com ela. Tal possibilidade o dignifica, pois o liberta do desenraizamento, o espiritualiza e o leva a graus mais alto de percepção do Elo que liga e re-liga todas as coisas.
Este “ponto Deus” se revela por valores intangíveis como mais amorização,  mais compaixão, mais solidariedade, mais sentido de respeito e de dignidade. Despertar este “ponto Deus”, tirar as cinzas  que uma cultura demasiadamente racionalista e materialista o cobriu, é permitir que a espiritualidade aflore na vida das pessoas.
No termo, espiritualidade não é pensar Deus mas sentir Deus mediante este órgão interior e fazer a experiência de sua presença e atuação a partir do coração.  Ele é percebido como entusiasmo (em grego significa ter um deus dentro) que nos toma e nos faz saudáveis e nos dá a vontade de viver e de criar continuamente sentido de existir e de trabalhar.
Que importância emprestamos  a esta dimensão espiritual no cuidado da saúde e da doença? Ela possui uma força curativa própria. Não se trata de forma nenhuma de algo mágico e esotérico. Trata-se de potenciar aquelas energias que são próprias da dimensão espiritual tão válida como a inteligência, a libido, o poder, o afeto entre outras  dimensões do humano. Estas energias são altamente positivas como amar a vida, abrir-se ao demais, estabelecer laços de fraternidade e de solidariedade, ser capaz de perdão e de misericórdia e de indignação face às injustiças deste mundo.
Além  de reconhecer todo o valor das terapias conhecidas, da eficácia dos diferentes fármacos, existe ainda um supplément d’ame como diriam os franceses. Ela quer sinalizar  um complemento daquilo que já existe mas que o reforça e enriquece com fatores  oriundos de outra fonte de cura. O modelo estabelecido de medicina não detém, por certo, o monopólio da cura e da compreensão da complexa condição humana, ora sã e ora enferma. É aqui que encontra o seu lugar, dentro do campo da medicina científica, a espiritualidade.
A espiritualidade reforça na pessoa, em primeiro lugar, a confiança nas energias regenerativas da vida, na competência do corpo médico e no cuidado diligente da enfermeira ou do enfermeiro. Sabemos pela psicologia do profundo e da transpessoal, o valor terapêutico da confiança na condução normal da vida. Confiar na vida significa fundamentalmente afirmar: a vida tem sentido, ela vale a pena, ela detém uma energia interna que a autoalimenta, ela é preciosa. Essa confiança pertence a uma visão espiritual do mundo.
Pertence à espiritualidade, a convicção de que a realidade é maior do que aquela que captamos com nossos sentidos e com os instrumentos de análise. Podemos ter acesso a ela pelos sentidos interiores, pela intuição e pela razão cordial. Todos os  cientistas sabem que a realidade não cabe totalmente em nossos conceitos. Percebe-se que há uma ordem maior, subjacente à ordem sensível, como o sustentava sempre o grande físico, prêmio Nobel, David Bohm, aluno predileto de Einstein.
Esta ordem subjacente responde pelas ordens visíveis e ela sempre pode nos trazer surpresas. Não raro, os próprios médicos se surpreendem, com a rapidez com que alguém se recupera ou mesmo com situações, normalmente, dadas como irreversíveis, regridem e acabarem levando à  cura. No fundo é crer que o invisível e o imponderável são parte do visível e do previsível. A visão quântica da realidade confirma o acerto desta perspectiva.
Pertence também ao mundo espiritual, a esperança imorredoura de que a vida continua para além da morte, de que nossos desejos de cura, nossos sonhos de voltar à vida normal deslancham energias  positivas que contribuem na regeneração.
Força maior, entretanto, é a fé de sentir-se sob o olhar bondoso de Deus, Pai e Mãe de bondade e de estar, como filhos e filhas, na palma de sua mão. Entregar-se, confiadamente, à sua vontade, desejar ardentemente  a cura e a vida mas também acolher serenamente sua vontade de chamar-nos  para si. Na perspecitva espiritual, a morte não é entendida como um desfecho trágico mas como uma travessia na direção da Fonte da vida.
Não morremos, mas nos transfiguramos. Deus nos vem buscar e nos levar para onde desde sempre pertencemos, para a sua Casa e para o seu convívio.  Aqui se aviva o “ponto Deus no cérebro” que se revela através de tais convicções espirituais altamente terapéuticas. Trazem serenidade face a um desenlace inevitável. A morte aparece então como uma sábia invenção da vida para  esta que possa continuar num outro nível mais alto.

Leonardo Boff

Teólogo, filósofo
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